segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Poeira no violão

Apesar de tantas peripécias, sei que ainda vivi pouco. Mesmo assim, tenho noção das diversas coisas que deixei de lado, sem ter, para mim, explicações. Não só coisas, como também pessoas que poderiam trilhar um pouco mais desse caminho comigo.

Tenho como medalhão da sorte a minha família, amigos e minha fé intensa em Deus. E sigo acreditando nas palavras de Vinícius de Moraes, que afirmou ser a vida a “arte dos encontros”; apesar de tantos desencontros e perdições.

Não estou nem um pouco interessado em sentir saudade de tudo. No entanto, sinto falta de um contato. Era uma relação íntima e até telepática. Eu conseguia me expressar. Pôr para fora todos os anseios, desejos, aspirações amorosas, a volição pela madrugada e tudo mais que nascesse do ritmo regido pelo coração.

Estava sempre próximo ao meu peito, repousado sobre minhas pernas. Talvez, em 2009 eu possa retomar esse relacionamento. Deito na cama e fico olhando meu violão. Em silêncio. Dentro de uma capa preta. Louco pra sair da escuridão e sentir o meu toque, sob qualquer luz: sol, lâmpada, vela ou lua.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A dúvida do mistério

Uma alma vagava pelas trilhas urbanas da vida. Sabia que cada passo o levaria ao fortalecimento de sua essência. Precisava sentir a noite, a madrugada, o amanhecer e viver todos os sentimentos dessas circunstâncias. Até que alguém o abordou:

- Soube que não foi alvo de diversos olhos familiares nos últimos três dias. Por onde vagou? – ingadou com um tom de preocupação.

- Pelas mesmas estradas, que nunca levam a nenhum fim – respondeu de pronto.

- Mas, é o fim o que procura?

- Não. Até porque o recomeço é executado pelo céu. Inclusive, essa é a maior loucura que sempre presencio. Vejo que o fim não tem fim. Só os incrédulos louvam essa idéia.

- Fico impressionado como você procura o nada e não se cansa, mesmo se deparando com novas auroras.

- Te entendo. Mas, não fui eu quem fixou apenas 24 horas em um dia – acenou em despedida, e retomou sua caminhada.

A união desenhada pelo fim

Ninguém descarta momentos de alegria proporcionados pelas inúmeras festas. Um liga daqui, outro comunica dali. Basta anoitecer para todo mundo se encontrar e confraternizar qualquer coisa. Geralmente, é uma celebração da vida, regada a muita cerveja.

Surge daí um ajuntamento forte. Mesmo que uma pessoa esteja sem dinheiro, isso não se torna problema. Até porque, quando um não tem; o outro tem. E é assim que funciona a amizade. Um amigo salva o outro.

Na mesa, diversos episódios alegres, já vividos, são relembrados. Sorrisos se expandem e contagiam até as mesas vizinhas. O melhor do passado vem à tona, lambuzando o paladar do mais saboroso prazer da vida.

Reparei uma outra adesão. Essa surgida de uma situação fúnebre. Na sentinela de um ente querido efervescem sentimentos que bailam em plena sintonia. Cada olhar reflete a mesma tristeza, a mesma saudade.

Cada satélite transmite um trecho de vida alegre. Com as lágrimas salgando a face, a pessoa segura aquele leve e fraterno sorriso diante de uma lembrança feliz. No entanto, rompe-se o dique e o mar de fúcsia abre seu caminho, já que o que foi não volta mais.

Resta a todos aproveitar mais a vida. Curtir mais ainda os amigos. Porque é óbvio que um dia eles se vão. E não voltarão mais. É necessário criar e recriar momentos; estimular e propagar sorrisos. É preciso ser a vida e dar a vida, para que nem a morte nos separe.

(Vá com Deus Jú)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Parede do infinito

Não é sempre, nem tão raro. Uma força leva-me até onde não sei o que é. Há uma intimidade forte entre minha alma e o infinito. É como se eu quisesse ir, ir, ir, tocar na parede, tocar no fim e, talvez, retornar. Sei que não há fim. Por isso, não tenho vontade nenhuma de voltar.

Um dia encontrarei o que me faz seguir. Carrego a certeza que nem a morte me fará desistir. Certo também que a morte passa a ser inexistente diante dessa minha meta. Depauperamento sem dor demonstrada pelos olhos alheios. Estarei sempre por aí. Em algum lugar. Procurando o convite feito pelas noites e manhãs.

domingo, 19 de outubro de 2008

Assim seja

As crenças, religiões e demais contatos com o sobrenatural
Têm função importante no desentendimento coletivo diante
Do infinito. Restaria apenas o medo caso não houvesse,
Até mesmo, especulações improváveis daquilo que não se vê

Foi criada a fé para o ser humano não cair no abismo de
Seu inconsciente. E em cada região essa fé é fortalecida de uma forma
Em cada povo essa fé está voltada a um ser maior, invisível, puro e justo
Cada homem tem a sua fé, justamente para não temer aquilo que ele
Continua não entendendo

E sem entender é que temos que aumentar essa fé, segundo
Religiosos gabaritados. Persistir em crer no intocável,
Crer naquilo que não sana nossas dúvidas básicas

Vamos vivendo. Morrendo. Com fé, mesmo sem o conhecimento
Do por que da vida; e da morte.
Caminhando sempre em frente, baseado nas crenças de minha região e
Povo. Os justos serão compensados e a vida será eterna.
Assim seja.

sábado, 19 de julho de 2008

Sem pressa

Vejo a vida como um barco à vela
Sim, não sou de navegar, e nem tenho
Muito contato íntimo com o mar
Apesar de ser também dele
E pela beleza que vejo
Casaria-me com Iemanjá

Quero olhar, sentir e imaginar um sinal de terra
Ao mesmo tempo, quero continuar neste mar
Navegar, água, vento n’água, ondas

Lembro que na terra as ondas eram diferentes
Eram marolas que um dia foram um grande amor
Ondulações agradáveis, esperançosas, seqüências

Nunca foi um tombo. No máximo
Piruetas, apresentações do quanto posso
Ser maior que o pulsar do mar

Sou alto, gigante, acolhedor... até quebrar
Descartadas as porcelanas, sou o mar
Pronto pra surgir intenso quando menos se espera

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Perseverança

A mudança de vida está fielmente associada ao sofrimento. É necessário sofrer, com fé nas suas conseqüências, para atingir o patamar almejado. Continuar alçando vôos com sucesso é o que todos querem. Porém, chega o momento de se isolar, sentir a hidratação das lágrimas na pele, o aperto acolhedor no coração e a sensação mística de resquícios de sentimentos que preenche e esvazia o peito. Curtir, com a alegria em stand by, toda a tristeza que contorna o céu de nossa vida.

Percebi que uma das tarefas mais difíceis é fazer desaparecer aquilo que um dia prestou. Não é o mesmo que ‘cuspir no prato que comeu’. É, exatamente, fazer que evapore o grande bem que não faz mais bem. Ser um agente da ebulição das pequenas grandes coisas da vida que se tornaram apenas pequenas, e nocivas.

Em meio a toda essa fumaça desanimadora é que nasce a esperança. Por isso, é preciso ter força, garra. Reconhecer o que merecemos e o que não pode nos pertencer. Com um pensamento óbvio e simples, identificamos que não merecemos ter a estima atacada e vencida.

Sentimos ainda que merecemos a felicidade, a mesma de deitar numa pedra ao som da orquestra divina de uma cachoeira. Mesma felicidade, também, de fechar os olhos e sentir o toque carinhoso da pessoa amada. Igual a de ver uma criança gargalhando ou de saber que uma sua está prestes a nascer.

Ao saber de tudo que a vida ainda tem a me ofertar, começo a me limpar da tristeza. Banho-me em algum sorriso grátis, porém riquíssimo, que desabrocha em qualquer canto desta extensão de terra. Aos poucos, vai saindo da alma todo o peso, todos os fragmentos de vida antiga, que não têm razão de nos pertencer mais.

Olho o céu e abro as asas. Quero sentir a vida no rosto, como se eu enfrentasse uma grande ventania. Quero novas turbulências e marasmos. Quero nuvens novas e tudo o que há de novo. Sei que para trás ficou parte de mim. No entanto, estou certo de que o que ficou para trás foi o que não passou na peneira do meu coração. Só me resta, agora, voar.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Cantando o perdão

Toda a luz está retida na vontade dela
As cores só se mostram mediante sua intenção
Assim, como toda a vida e tudo

Só ela não sabe que os meus tropeços não são
minha culpa. Também não é minha culpa
Os caminhos errados que, às vezes, sigo

Se um cigarro acendo é pela falta de luz
Se encho a alma de álcool é pela falta de luz
Se vagueio pela escuridão é por estar à procura da manhã

Ela dorme, enquanto estendo as mãos para conhecermos
O mundo. Ela corre, quando combino com Deus uma
Vida melhor. Ela morre, logo após eu renovar as esperanças

Eu a olho. Tento esquecer.
Mas, seus seios não deixam.
Sua pele não deixa.

Teu vaso úmido, onde mato minha sede
Teus olhos únicos, que revelam nosso futuro
Teus sonhos, os quais assisto em meu sono

Tropeço, em suas pernas
Mesmo com tantas outras existentes
No fundo ela sabe, que são as suas que me sustentam

São seus lábios
Seu corpo, seu espírito
Encarnados no meu destino

Minha vida
Na luz que você me oculta
No perdão que nosso amor perpetua

sexta-feira, 20 de junho de 2008

No fundo do coração humano


Pobres extras- terrestres

desconhecem o amor suburbano da terra

procuram o que nunca viram

a paz, o amor

A princesa de todos os sentimentos

sexta-feira, 6 de junho de 2008

A invenção da pura alegria

Ao invés de seguir o seu padrão, puxão de orelha ortodoxo
Preferi quebrar e reinventar os conceitos
Livrando a liberdade das ações cínicas da falsidade

Vejo-te hoje ainda repousada em braços aleives
Enfeitada por todo fausto, flanqueada pelos seres
Aceitos em todas as rodas anti-sociais, diante de toda periferia

Suas mentes brilhantes, sorrisos insanos
Alegria nem vista no sobradinho onde carne
De animais enfrenta a inquisição

Alegria, alegria. Desfiles, desfiles
E minha alma vaga feliz pelas trilhas
E enxerga a esperança no choro sincero

Que passe o bloco do não-toque-em-mim
Vou com o bloco diário do vamos-nós
Sem as viseiras do padrão, conheço o semblante da felicidade

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Olhar divino

Ando em paz.
Penso em paz.
Ajo em paz.
Calo-me em paz.

Sei que jaz a guerra tola.
Que de uma papoula expande o pensamento,
Para não ter que jorrar lágrimas à toa
no solo infértil, como um sangramento

Tenho os joelhos no chão
Até quando vôo alto por céus desconhecidos
Caminho em forma de devoção
Manifestando meus sentimentos agradecidos

Peço a Ti a libertação
De tudo e de quem me acorrenta
Vejo em Teus olhos a força do Leão
E com seu rugir o inimigo se afugenta.

Nem sabe a ciência, a sustentação da fé
Em meio ao infinito diz ver Tua vigília
No exercício da vida não imagina como é

Não se preocupa com a cura de Emília
Quando sem recheio o bolso de Bernabé
Morte em paz, aguardando a reunião da família

Rezo em paz
Peço em paz
Agradeço em paz
A benção!






Quando um rei perde o trono

Fui obrigado a suspender a caça. Não acreditava no que via. Debrucei-me ao chão, em meio ao mato. Não queria alertar a natureza móvel com a minha presença. Assim como as plantas tremulavam com o vento, minha juba parecia nuvens impacientes. Meu peito era um caldeirão efervescente. Minhas patas sentiam um tremor de terra. A única coisa imóvel em mim era os olhos.


Desde jovem já surpreendia todos os meus inimigos. Invejosos. Por não reconhecerem minha majestade, hoje, são assumidamente minhas presas fáceis. Não importa tamanho e por qual topografia acidentada eles correm. Ofereço 30 metros de distância. Não perco viagem. Desfaço a vida com o que sustenta minhas garras. Escorre sangue entre meus dentes. Vejo pavor nos olhos daqueles que, por mim, não foram escolhidos.


Uma hora e meia de sono. Margeando a luz da lua, saí à procura. Parecia um surto. É sério. Um rei vagando em meio ao próprio desgoverno. Mantive a cabeça erguida, para não cair no sem fim de minha inconsciência.


Os primeiros bichos foram saindo de suas manjadas tocas. Ameacei acometer. Fui travado. Não era o que eu procurava. Outros animais apareceram. Eram grandes, saborosos. Tinha que ser aqueles que eu queria. O cheiro deles invadiu meu instinto, que nem se atiçou. Eles se distanciaram e sumiram do horizonte de meus olhos.


Com saudade da terra, o sol tomou o lugar da lua. E me flagrou andando, com um suor jamais causado pelos leves raios matinais. A insanidade rotulou meu semblante. Chega! É Deus no céu; e eu na selva! Um rei não pode ter dúvidas, muito menos indefinições diante do inexistente. Resolvi reduzir a população local.


Foi quando vi algo anormal. Eu acabara de rasgar um filhote de búfalo. A poeira baixou. Caminhei lentamente, sentei-me. Não houve a reciprocidade de olhar. Completamente ignorado. Senti sede, fome, receio, baque, uma abstinência viril de coragem. Sabia que retornaria a vagar sozinho, a demarcar território. Mas, só quando fosse libertado das garras daquela formosa leoa.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Amor de sol

Crer no sol é diferente que crer em um amor
O sol não promete, nem anuncia te iluminar logo mais;
Embora todos saibam que ele retornará
É um reencontro certo. Ainda com a incerteza da data
Encaramos a noite, os tempos nublados, a madrugada,
As tempestades e, até mesmo, os dias tristes trancados no quarto
Porém, sabemos que o sol está em algum lugar
A esperar, em movimento, o breve eternizar no altar de nossas vidas
O amor, não.

Diz e afirma. Fica mudo e ironiza,
O início divulgado a dois de uma família.

Anuncia outra linha - algo que transpira fora de minhas células.

No entanto, minha guia
Afirmou minha adesão e fundição

E, por assim, serei
Forte, intenso e sincero como o sol.

Caso queire...


O amor que se debruce em qualquer solo
para tentar sentir e se marcar
com os raios que me caem pelo cansaço de amar.

sábado, 10 de maio de 2008

Um peso dividido pelo o olhar



“Uma canção pelo ar/ Uma mulher a cantar/ Uma cidade a cantar/ A sorrir, a cantar, a pedir/ A beleza de amar/ Como o sol/ Como a flor, como a luz/ Amar sem mentir, nem sofrer/ Existiria verdade/ Verdade que ninguém vê/ Se todos fossem no mundo iguais a você” (Tom Jobim)

Recebi uma mensagem virtual de uma pessoa muito próxima que estava meio sobrecarregada com esses ‘probleminhas’ que a vida insiste em pôr em nossos caminhos. Certamente, assim como todos nós, ela devia ter muitos outros contratempos. O recado me deixou muito lisonjeado. Afinal, ela havia me escolhido o seu conselheiro para aquela situação. E ficamos de combinar um dia para se encontrar e colocar o papo na mesa, assim como os demais ingredientes (gelados) para ocasiões do tipo.

Até o encontro, houve um intervalo de uns quatro ou cinco dias. E cada um desses dias, embora minha cabeça também funcionasse para outros assuntos, me faziam refletir sobre a minha responsabilidade. Certo que não sou nenhum guru, nem que ela faria exatamente o que eu dissesse. Mas, eu tinha que emitir algo positivo, sem esbarrar, o mínimo, em nenhuma ferida, e muito menos cair na obviedade popular.

As horas do segundo dia iam passando, e tudo se transformava numa pré-frustração. Lembrei que não adiantava pensar no que dizer, pois eu nem imaginava o que ela ia me falar. Ou seja, o seu sofrimento se igualava ou acabara de ser ultrapassado pela minha mais nova aflição.

Foi duro esperar os outros dias. Não só por mim. A morosidade do tempo transformara duas pessoas em crianças submissas a um castigo de madrasta. Sabe. Queria que o dia chegasse logo. É uma pessoa muito especial, e nunca me furtaria em ajuda-la. Se não me viessem palavras, ficaria ali, ao seu lado, exalando música e poesia - sem voz e sem violão.

Faltaram os fogos quando a tão esperada noite de sexta-feira caiu. Seria cômico, se não viesse a ser trágico. Inventei de tirar uma cesta e quase embalei pela manhã de sábado. Acordei no susto, graças ao Ser Maior. Enfim. Tomei um banho, me vesti – sem a dúvida de Noel Rosa antes de ir ao samba a que foste convidado – e segui em direção ao meu encontro.

Apesar dela ser linda, e merecer a suavidade da nuvem após os dias de temporal e a vitamina pura do primeiro momento do sol, não foi um encontro romântico. Era um contato íntimo de amigos – e há quem não acredite nisso. Tão era, que mais pessoas compartilhavam o mesmo espaço, cada um com seus respectivos copos.

Fui recepcionado com seu sorriso, que logo atiçou o meu. No início, foram muitos olhares e assuntos aleatórios, diante do que tínhamos para conversar. Pelo menos, eu pensava assim, uma vez que não sabia do se tratava exatamente. O seu olhar que foi entregando os pontos, enquanto sua boca tentava desobedecer aos comandos do coração.

Meu olhar conseguiu ultrapassar o horizonte dos olhos dela, ao mesmo tempo que me sentia carinhosamente invadido. Pude ver um mar manso de lágrimas e um sol muito esperançoso fazendo preces para bronzear uma felicidade ou um amor que seja. Essa troca de olhares, aos poucos, aliviava a minha já antiga aflição e, imaginava, o seu sofrimento.

Ficamos todos ali por algumas horas. Muitas histórias, sorrisos e tudo mais que podemos exaltar entre as paredes de um boteco. Ela me contou o que lhe atormentava. Conversamos, trocamos idéias e conselhos. Porém, me pediu segredo. Assim como, por amor, protejo seu nome nesse texto, com um codinome... sem codinome.

A minha aflição terminou. O seu sofrimento, talvez, dure um pouquinho mais. Até que tudo se resolva ou se resolva. Ela sabe pensar positivo. Nem contei pra ela. Mas, próximo ao mar, havia uma alma com a mesma fé que o sol, pronta para receber tudo o que Deus prepara para uma de suas mais lindas criações.

Contas da vida

“Você hoje pra mim é a faixa seis/ Do lado B/ Do meu último LP/ Aquela que o programador do rádio nunca toca/ Aquela que o divulgador do disco evita/ Aquela que fica espremida entre a quinta/ A quinta faixa e o final da fita” (Faixa Seis – Sérgio Sampaio)


Confissão com simplicidade. Foi o que presenciei hoje. Antes, percorri uns três lugares para pagar essas contas, que afirmam que a vida tem preço. Foi exatamente no último local que retratei a idéia dessa tentativa de crônica. Estava eu em uma fila, consideravelmente, grande. À minha espera, além de vários, tinha um senhor com mais de 80 anos. Um jovem. Falante. Brincalhão.

Isso foi o que captei. Esse senhor brincou com algumas pessoas ao redor. Porém nem todas percebiam – não sei se não ouviam o que ele dizia ou se não se importavam com ele. Enfim, me divertir gradativamente com ele. Nossa! Eram piadinhas infantis, do tipo de fazer rimas com a última palavra que os outros diziam.

Eu olhava para os lados e ninguém, da farmácia onde recebia o pagamento de contas, prestava atenção no que ele dizia. Me encantei com aquele senhor, de semblante cansado, e que me confessara que não suportava ficar por muito tempo em pé. Não havia assentos.

E ficamos por uns 15 minutos. Ali. Na espera de chegar ao caixa e conversando sobre a vida, nos intervalos de suas piadas coletivas – quase em vão. Às vezes, chegava a doer meu peito por causa da pecada preocupação. Acontece que esse senhor silenciava-se e seguia a um lugar desocupado. Sem cerimônias, descansava o braço sobre uma alta superfície e debruçava sua cabeça, posteriormente.

Esses segundos eram temíveis. Ele repetiu a cena por, no mínimo, três vezes. Sem opção, eu pensava até no pior. Aquele senhor, já meu amigo, se perdia no rito normal da vida diante da única pessoa que se importava com ele naquele momento: eu.

Numa de suas voltas, após as idas angustiantes, ele confessou que tinha mais de três filhos e que nenhum poderia fazer essas obrigações de pagar as contas. Não por desconsideração, mas porque todos moravam em algum lugar do planeta, distante dele.

Piadas eram para todos; no silêncio me revelou sobre a existência centenária de sua madrasta. E até disse que ela, na idade dele, era muito mais forte e vigorosa. Atualmente, baseado no dia do pagamento dessas contas, ela estava internada – praticamente com um pé no céu.

Ainda assim, ele não demonstrava tristeza. Mas, muito cansaço. Em poucos segundos, analisei que ele tinha uma fadiga de um século a mais em relação à mãe dele quando tinha sua idade. Talvez, sejam os enlatados e instantâneos que consumimos. Sei lá. Porém, ele sustentava muita pujança em suas palavras.

Poderia ser um tédio para mim ter que ficar naquela fila. Já que toda fila é insuportável. Só que não. Foi mais um aprendizado de como envelhecer com maestria. E ser um jovem com os pés no infinito.

Ao se aproximar do caixa, o convidei para tomar a minha frente. Nada grandioso, apenas cumpri com minha obrigação. Outra piada não foi reservada. “Antes, apenas a Escelsa recebia conta de luz. Depois os bancos começaram a receber também. Hoje, estou pagando na farmácia. Em breve, até eu estarei recebendo”.

Chegando na atendente, outra piada. Dessa vez, ele conseguiu arrancar sorrisos de outra pessoa, sem ser eu. A morena do caixa libertou sua alegria por entre os lábios ao ouvi-lo. E não poupou comentários, sustentando as anedotas de pequenas coisas da vida contadas por aquele jovem senhor.

Cheio de felicidade, mesclada ao visível cansaço, ele se despediu. Ainda tinha outros compromissos a cumprir. “Até lá!”. Para mim ficou o ensinamento que as maiores dificuldades da vida são criadas pela gente mesmo. Já bastam os problemas fixos, indesviáveis, tipo: as contas para pagar.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Fácil

Muito fácil desistir
Deixar pra lá a dor
Que anuncia a chegada
Ser livre de impacto
E o coração bater suave

Tranqüilo não esperar amor
Ainda mais quando se ama

Ver morrer uma árvore
Que nunca teria regadores
Que nunca teria um céu
Nem chuva, nem sol
Nem flores, nem frutos

Muito fácil não sofrer
Mais ainda não viver

Por onde ir?

As paisagens são lindas pelos diversos lugares por onde passo. Sei que pode muito bem ser uma benção de Jah, em querer amenizar minhas dores e abafar meu estresse. Mas, na verdade, os caminhos de opção são no momento favoráveis para qualquer peripécia.

Não sei porque insisto no caminho que trilho. Não me canso de abri-lo com o peito, que já apresenta carne viva, e arrancar as pedras a cada violenta canelada. Sem contar que todos os dias espero o sol nascer, assim como a lua gloriosa nas noites de contemplação à loucura, que mantém todo o alicerce de minha vida.


Às vezes, não acredito. Mas, a verdade é que os dias permanecem nublados. Até oferecem condições para sair de casa e tomar uma cerveja e outras ‘coisitas más’, nada a mais. Amo o que faço e o que conquistei. Não traço metas à toa, ainda mais agora que resolvi traça-las.


Se comecei, é para ir até o inexistente fim. A expectativa é que haja a reciprocidade. Se não houver, carrego a construção com unhas e dentes e ergo o tempo em seu espaço. De acordo com o bem comum da dupla cigana.

Apego


Deus não me dá a imunidade. A ponto de deixar meu coração por minha conta, sob meu controle. Me deixa no pulsar desse romantismo chato que não pára de me ritmar. Cheguei a doma-lo. Até a situação se inverter. Sempre assim. Ai de mim se não fosse meus truques para levar à tona meus prazeres, para compensar possíveis sofrimentos.

Bossa Nova na alma, sofrimento na pele. Não há como fugir. Não há quilombos a vista. Apenas malfeitores tentando construir um mundo que nunca viram. Mulheres sugando um amor rarefeito. Castigando a si mesmas e escravizando os órfãos de sentimentos sãos. Sou o meu Zumbi, meu guerreiro. Ainda me libertarei dessas correntes arteriais que me prendem às feudais de olhos azuis.

Sérgio Sampaio para sempre

(Publicado no dia 27/6/2007, no site www.atenasnoticias.com.br)

"Eu tenho um dom de causar conseqüências/ Um ar de criar evidências/ Um sapato novo no lixo/ Vem cá, vem me lembrar" - (Sérgio Sampaio)

Viajei de trem sentado em uma das cadeiras do teatro Rubem Braga na noite desta segunda-feira. Até outro dia estava com poucas esperanças que Cachoeiro de Itapemirim faria uma homenagem póstuma, a altura, ao compositor e cantor Sérgio Sampaio. Em nome de Deus, tudo ocorreu de forma a surpreender quaisquer expectativas.

Diante da quase desesperança de um tributo, tolo fui eu em pensar assim. Homem de trinta, de quarenta, sessenta anos. Jovens, intelectuais, artistas, hippies, todos numa só sintonia ouvindo a doce melodia daquele que um dia botou seu bloco na rua.

Que magia pura foi aquela que eu não soube mais como dormir. Primeiro uma ótima apresentação do grupo de teatro do centro universitário São Camilo. Depois, o vídeo com imagens de Sérgio. Chocante e emocionante.

Não cale, mas cante Zebedeu! E assim ele o fez. Não só cantou como encantou a todos os presentes e também àqueles que não puderam ir. Que loucura. A banda do espetáculo Tangos e outras delícias - um Tributo a Sérgio Sampaio" é de tirar o chapéu.

Cada lugar na sua coisa: os solos, as bases, o vocal, a letra, tudo na terra onde nasceu Sampaio, ecoando dentro do local que leva o nome do nosso mais célebre cronista. Uma chuva fina tocava o asfalto da cidade e o vento a levava muito além do jardim. E a canção do maldito massageava o coração de quem é do amor.

A peça teatral fechou com o personagem, que interpretou Sérgio, dizendo que o resultado de sua obra viria assim que se fechasse para balanço. E foi desse jeito. Quem conhecia a obra de Sampaio, vibrou; quem desconhecia, se vislumbrou.

Não sou aquele que disse. Era evidente um pedaço de emoção nos labirintos negros dos olhos de cada espectador. Maiúsculo, também, foi Hélio Sampaio - irmão do homenageado - que não sabia o que fazer com tantas recordações. Sentava, levantava, cantava e soltava adjetivos acorrentados por neurônios na cabeça de alguns, que, logo, viam suas palavras imaginárias anistiadas.

Sinceramente, a cantora cachoeirense Amélia também deu um show à parte. Provocou terremotos no tecido dos braços de muitos ao interpretar, com delicadeza, a canção Real Beleza. O mais novo orgulho cultural de Cachoeiro, não adianta. Aroldo Sampaio também foi cruel, de posse do violão, ao tocar Viajei de Trem.

Enfim, repito que tem que acontecer mais eventos do tipo. Enquanto a esse, parabenizo o produtor e músico João Moraes, responsável pelo espetáculo e pelo livro "Eu Sou Aquele que Disse", e ao secretário de Cultura, José Carlos Dias, que abraçou a idéia.

Não posso deixar de registrar que a segunda-feira seria perfeita caso não tivesse ocorrido o falecimento do biógrafo Marco Antonio de Carvalho. Uma notícia que entristeceu a muitos cachoeirenses. Marco finalizava a biografia de Rubem Braga e produziria a 2ª Bienal, marcada para maio de 2008.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Enfim

Nem desejo as vinte e quatro horas.
Morreria. Juro. É irreal para o seu cardápio
Diário tudo o que consumo.
Difícil a digestão, avesso ao paladar.

Por apenas segundos quaisquer
Você sentira a batida descompassada,
O ir sem retorno de garantias,
A queda de quem está na base sólida do poço,
O piscar trêmulo de olhos com uma única direção.

Sentiria o temor, a alegria, a saudade.
Enfim, veria o quanto samba em cima de um coração.

Vaga doação


Uma flecha sem alvo. Corta o vazio em busca do nada. O veneno em sua ponta lhe aproxima da morte e esquece a vida no arco.

Partir, sabendo que o fim recomeça no extremo. Que o abismo é a queda das próprias ilusões. Que o chão, ou o mar ou o colchão são bases de quem possui a certeza. Eu nunca a tive, e imagino que nunca a dei. Mesmo tentando.

Mulher não quer a solidez de algo que sempre viu como abstrato. Nem que lhe tire a abstração das coisas mais concretas do mundo. Deseja a fantasia de um ser e de um fato. Prefere o engano que a leve até a verdade feita por mil mentiras. Crê no pecado, mesmo ajoelhada aos pés do altar.

Que me perdoem as que não assumem tal declaração. Que me aceitem em passeata, em carnaval, em transe, nos seus momentos, nem raros, de exaltação à loucura.
Que me deixem dormir em teus seios, quando cansado pelo castigo após tentar desvendar o mistério absurdo da costela masculina.

Que me permitem repetir a dose para confirmar sua vulnerabilidade diante do anúncio do orgasmo.

Que tentem trancar as portas ao me ver invadindo seu êxtase. Até entregarem seus pontos, sua força e o respeito forjado a si mesma.

Madrugada


Ela me chama
Juro que tento
Não me controlo
Atendo a todos os seus pedidos
Sirvo-me de sua bandeja
Farta, fraca, vulgar e atraente
Objeto que reflete a lua
Momento que anuncia o sol
Fico inerte
Com um olho na paixão
E o outro no amor
Não me decido
Próximo dia, sentimentos retornam
Na mesma ou com mais intensidade
Assim é ela
Silenciosa e escandalosa
Alegre e tensa
Aí fico eu
Sem saber
Sem ir
Sem vir
Sem ser
Mesmo sendo
Uma parte da madrugada.